02 out

O Mistério de Hécate – Mohine Yamir

Para mim, a pior parte do dia é a noite, onde o real e o místico se chocam e torna tudo plausível de acontecer. E sei o quão ridículo pode ser uma mulher de trinta e três anos ter medo da noite, mas existem pessoas que temem os sapos e eu não as julgo. Veja bem, se prestares atenção nos clássicos do terror, todas as coisas ruins se dão a noite. Justamente porque os criadores sabem que é na noite, onde as horas sombrias se alocam, que as criaturas se libertam e todos os infortúnios acontecem.

É na escuridão onde me sinto desprotegida e sem expectativas. Não consigo imaginar dias quentes, afagos ou sorrisos, apenas dor, tristeza e odor. Apenas… Sinto-me vulnerável e aceito sem contestar o destino que escreveram para mim.

— Christal? — O susto que tomei fez com que eu deixasse as ervas caírem. — Está tudo bem?

— Sim. Senti vontade de tomar um chá, preciso acalmar meus pensamentos. – Ela sorriu, sabia exatamente as questões que ainda bagunçavam a minha mente. Caminhou manhosamente em minha direção, envolveu-me em seus braços e me beijou com amor e calma. Até agora eu não sei o que z para merecer uma deusa como essa em minha vida.

Eu sempre tive problemas para dormir, insônia é como os médicos chamam; já a minha mãe dizia que eram as energias pedindo para que eu fizesse uso dos meus dons. Eu apenas sorria dela. Apesar de ser lha de uma escritora de contos de fadas e uma bruxa, de ter um irmão poucos anos mais velho, que é conhecido como explorador de mundos, por desbravar os mistérios da humanidade, e de todas as histórias que ouvi na infância, sempre me mantive cética quanto a magia e finais felizes. E, aos dezoito anos, depois de passar toda a adolescência lutando contra esses tais dons que a mamãe tanto falava, saí de casa. Estava fugindo do que aquele lugar significava para mim e minha família, acreditei que, mantendo distância, poderia ser uma pessoa “normal”. Mas, agora estou de volta aonde tudo começou.

A Cabritos da minha infância e adolescência mudou pouquíssimo, ainda merece ter o título de pedaço esquecido do paraíso. Apenas a principal avenida da cidade ganhou alguns prédios comercias com arquitetura moderna e, no meio deles, a Loja Eclipse se destaca, sua fachada em tom escuro, o letreiro em placa de neon com grafia simples, na vitrine, alguns objetos da crença pagã se destacavam. Certa vez tentaram persuadir a dona da loja a se “modernizar” ou vender o local, mas ao compreenderem que ela não era uma mulher qualquer, desistiram. Outra coisa que continua sem alterações é o antigo farol, dizem que ele é protegido pelo fantasma de um homem mau que por lá morreu.

Enfim, depois de quinze anos longe, eu voltei e caminhei pelos locais que um dia desejei banir das minhas lembranças. Foi tão reconfortante quando entrei em casa e senti o cheiro de flores e brisa marinha. Segurei a mão da minha deusa e fomos até a praia, sentamos na areia branca e limpa, a luz do sol parecia incendiar o céu, a cor do mar estava tão verde quanto a cor dos meus olhos. Ela sorria maravilhada com toda aquela beleza a nossa frente e eu suspirava. Então compreendi, não podia e nem queria mais fugir, estava finalmente em casa.

Às vezes, as coisas mais reais só acontecem na imaginação e mesmo em busca de explicações lúdicas para os últimos acontecimentos, eu confesso que ainda queria continuar acreditando que tudo havia sido apenas isso, imaginação.

Continua em … Antologia Criaturas da Noite

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